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(DOC. VP 464.7169.9773.7388)

TJRJ. Apelação criminal defensiva. Condenação por estupro de vulnerável praticado diversas vezes contra a enteada, em continuidade delitiva (art. 217-A, § 1º, c/c art. 226, II, n/f do art. 71, todos do CP). Recurso que persegue: 1) a absolvição do apelante, por alegada carência de provas; 2) a revisão da dosimetria, para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, ou redimensionado o quantum de aumento para 1/8; 3) o afastamento da continuidade delitiva ou aplicação da fração mínima; e 4) a isenção do pagamento de custas e taxas judiciárias. Mérito que se resolve parcialmente em favor da Defesa. Materialidade e autoria inquestionáveis. Conjunto probatório apto a suportar a versão restritiva. Instrução revelando que o Apelante, padrasto da vítima (que contava com 14 anos à época), quando a mãe dela estava no trabalho, lhe dava medicação, levando-a a estado de inconsciência e, aproveitando que ela não possuía capacidade de lhe opor resistência, praticou com ela conjunção carnal, resultando em sua gravidez. Laudo de investigação de paternidade por DNA na ausência do suposto pai que concluiu haver probabilidade superior a 99,84% a favor de Jonas (filho da vítima) e Laura (filha da mãe da vítima e do réu) serem irmãos paternos, em consonância com o relato da vítima. Firme diretriz do Supremo Tribunal Federal e STJ sublinhando que, «nos crimes contra os costumes, a palavra da vítima assume preponderante importância, se coerente e em consonância com as demais provas coligidas nos autos". Palavra da Vítima, no caso, bem estruturada e contextualizada, dentro das especificidades que gravitam em torno dos fatos, estando ressonante nos demais elementos de convicção. Vítima (ouvida em juízo, já maior de idade) que corroborou os fatos narrados na denúncia, relatando que, à época, ao descobrir que estava grávida, sem que nunca tivesse mantido relações sexuais, concluiu que só poderia ter sido abusada pelo acusado, pois, sempre que sua mãe saía para trabalhar, ele lhe dava medicação que a deixava sonolenta. Ainda segundo a vítima, tal suspeita foi reforçada por atitudes dele (que lhe ofereceu medicamento abortivo e foi surpreendido por ela, com seu filho no colo, pedindo que este falasse «papai»), confirmando-se, anos depois, com o exame de DNA. Testemunhal acusatória ratificando a versão restritiva. Acusado que teve a revelia decretada. Ausência de qualquer contraprova relevante, a cargo da Defesa. Tentativa da Defesa de descredenciar os relatos colhidos em juízo, alegando haver inconsistências e contradições em tais depoimentos que não se sustenta. Jurisprudência tem relevado pequenas contradições acerca de dados acessórios do fato, quando o contexto global aponta claro para a certeza de sua realização e respectiva autoria, como no caso dos autos. Outrossim, ao contrário do sustentado pela Defesa, a despeito de constar no laudo do exame de DNA que a participação de um único parente do suposto pai prejudicou a investigação genética, é de se ver que seu resultado está em consonância com as demais peças que compõem o painel probatório, que são harmônicas, precisas e convergem, todas, no sentido de proclamar o consciente envolvimento do agente na prática delituosa de que se cuida. Ambiente jurídico-factual que não deixa dúvidas quanto à procedência da versão restritiva. Majorante prevista no CP, art. 226, II corretamente reconhecida, tendo em vista que o réu, ao tempo dos fatos, ostentava a condição de padrasto da vítima. Continuidade delitiva (CP, art. 71) que se afasta. Em juízo crítico sobre a instrução realizada, se de um lado é inequívoco que o delito foi praticado, ao menos, uma vez, de outro, a despeito da relevância do conjunto indiciário apresentado, não restou demonstrado, estreme de dúvidas, sua reiteração, pelo que incidente o postulado in dubio pro reo. Juízos de condenação e tipicidade retificados (art. 217-A, § 1º, c/c art. 226, II, ambos do CP). Dosimetria que enseja reparo, tão somente para afastar o aumento decorrente da continuidade delitiva. Pena-base exasperada em 1/2, pelos vetores da culpabilidade, circunstâncias e consequências, sem alterações na etapa intermediária, seguida do aumento de 1/2, por força do CP, art. 226, II, com acréscimo final de 2/3, em razão da continuidade delitiva. Idoneidade da negativação da pena-base, já que pautada em elementos concretos e extraordinários, não inerentes à valoração negativa já feita pelo próprio tipo (gravidez da vítima aos 14 anos, oferecimento de medicamento abortivo pelo réu e perversidade da conduta). Firme orientação do STJ no sentido de se quantificar, nas primeiras fases de depuração, segundo a fração de 1/6, sempre proporcional ao número de incidências, desde que a espécie não verse sobre situação de gravidade extravagante (como no caso dos autos). Aumento operado pela instância de base (1/2), que se revela proporcional, razoável e até benéfico, em face da aguda reprovabilidade da conduta, das gravíssimas consequências sofridas pela vítima, e da culpabilidade acentuada do acusado. Regime prisional fechado mantido, o qual se revela «obrigatório ao réu condenado à pena superior a oito anos de reclusão. Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do CP» (STJ). Tema relacionado à execução provisória das penas que, pelas novas diretrizes da jurisprudência vinculativa do Supremo Tribunal Federal (ADCs 43, 44 e 54), não mais viabiliza a sua deflagração a cargo deste Tribunal de Justiça, preservando-se, si et in quantum, o estado jurídico-processual atual referente ao Acusado (réu solto). Pleito de isenção das custas processuais que se mostra inviável, por se tratar de questão a ser resolvida no processo de execução (Súmula 74/TJERJ). Recurso defensivo a que se dá parcial provimento, a fim de afastar a continuidade delitiva e redimensionar a sanção final para 18 (dezoito) anos de reclusão.

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