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(DOC. VP 231.1240.9369.7276)

STJ. Civil. Processual civil. Direito de família. União estável seguida de casamento, divórcio e partilha de bens. Fundamentos recursais alternativos. Eleição daquele que decidirá a questão meritória em definitivo. Possibilidade. Acórdão recorrido. Premissas fáticas imutáveis. Requalificação jurídica dos fatos. Revaloração da prova. Possibilidade. Declaração da parte em cerimônia de posse de cargo público reconhecendo a União. Emissão de passaporte diplomático. Emissão de declaração para clube reconhecendo a existência de união estável. Circunstâncias suficientes para o reconhecimento do vínculo convivencial pretérito ao casamento. Namoro qualificado inexistente. Lógica natural da vida composta por conhecimento, namoro, noivado e casamento.conceito jurídico inexistente. Visão de mundo e conceito meramente pessoal e parcial. Impossibilidade de modelação social ou jurídica a partir de visões pessoais. Impossibilidade de imposição de padrões comportamentais ou sociais a partir de padrões pessoais. Direitos das famílias que se orienta a partir da lei, dos fatos e das provas. Direitos das famílias, ademais, extremamente receptivo às novas formas de arranjos familiares e à flexibilidade da sociedade contemporânea. União estável pretérita ao casamento celebrado com pacto antenupcial e regime da separação total de bens. Retroatividade ao período da união estável. Impossibilidade. União estável disciplinada pelo regime da comunhão parcial. Pacto antenupcial que projeta efeitos apenas para o futuro. Declaração de efeitos patrimoniais pretéritos.impossibilidade. Alteração de regime com eficácia ex tunc inadmissível. 1- ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com divórcio e partilha de bens ajuizada em 21/02/2017. Recurso especial interposto em 27/01/2021. 2- os propósitos recursais consistem em definir. (i) se a fundamentação adotada pelo acórdão recorrido seria genérica quanto ao afastamento da tese de cerceamento de defesa e quanto aos elementos configuradores da união estável, o que justificaria a devolução do processo para rejulgamento da apelação; (ii) se houve cerceamento de defesa, eis que, reconhecida a união estável em 1º grau de jurisdição por sentença proferida em julgamento antecipado, não poderia o acórdão recorrido reformá-la sem examinar a questão relacionada a instrução probatória; (iii) se, a partir do quadro fático probatório delineado no acórdão recorrido, estão presentes os requisitos configuradores da união estável e do direito à meação da parte. 3- embora o exame dos fundamentos do recurso ocorra, normalmente, de maneira sequencial, seguindo-se ao próximo após a superação do primeiro, a riqueza de elementos fático probatórios existentes no acórdão recorrido permite que seja ele examinado por qualquer de seus fundamentos, sendo necessário, nesse contexto e com base no princípio da primazia da Resolução do mérito, que o enfrentamento da questão ocorra pelo fundamento capaz de resolver a questão meritória em caráter definitivo. 4- o acórdão, em premissas fáticas imutáveis, constatou que as partes, previamente ao casamento, mantiveram um relacionamento na constância do qual um deles se dirigiu ao outro, em cerimônia de posse em cargo público de extrema liturgia, como «minha mulher», emitindo-se em favor dela passaporte diplomático, restrito aos familiares pela legislação da época, cinco dias após a referida cerimônia e declarou, perante clube de alto padrão mais de 6 meses antes da formalização do casamento, que havia união estável entre eles há mais de 3 anos. 5- diante desse quadro fático, o acórdão local concluiu que o período prévio ao casamento seria juridicamente capitulado como um namoro qualificado, uma vez que se estaria cumprindo o que seria a lógica natural da vida, a saber, conhecimento mais estreito, namoro, noivado e casamento. 6- a partir dos mesmos fatos reconhecidos como existentes pelo acórdão e à luz dos requisitos configuradores da união estável (art. 1.723, caput, cc), extrai-se claramente a existência de convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o propósito de constituição de família entre as partes no período que precedeu o casamento, inexistindo, na hipótese em exame, a figura imprecisa do namoro qualificado. 7- afirmar e impor judicialmente que a lógica natural da vida seria composta por conhecimento, namoro, noivado e casamento é apenas uma visão de mundo, pessoal, parcial e restrita a um determinado círculo de convivência, uma bolha social que jamais poderá pretender modelar generalizadamente a sociedade, estabelecendo um suposto padrão de comportamento, e que jamais poderá condicionar ou influenciar o modo de julgamento de uma questão relativa ao direito das famílias, que, relembre-se, deve-se ater aos fatos e às provas. 8- o direito das famílias não é forjado pela rigidez e pelo engessamento, eis que os arranjos familiares, sobretudo na sociedade contemporânea, são moldados pela plasticidade, razão pela qual a lógica natural da vida será a lógica natural de cada vida individualmente considerada. 9- conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, a ausência dessa formalidade poderá, eventualmente, gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação por eles mantida, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar. 10- a regra do art. 1.725 do cc concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de bens que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria. 11- em razão da interpretação do art. 1.725 do cc, decorre a conclusão de que não é possível que o pacto antenupcial, que disciplinará apenas o casamento subsequente à união estável, projete efeitos retroativamente ou declare efeitos relacionados à união estável pretérita, na medida em que a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. 12- assim, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do cc, não se admitindo que documento posterior, como o pacto antenupcial, retroaja ou declare situação de fato pré-existente, a saber, que o regime de bens seria da separação total desde o princípio da união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc. 13- na hipótese em exame, a união estável mantida entre as partes entre agosto de 2004 e 04/09/2007, data do casamento, assegura a meação à recorrente em virtude do regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do cc), ressaltando-se que eventual insuficiência probatória a respeito dos bens não impede a tutela meritória diante da possibilidade de, na fase de liquidação de sentença, ser-lhe assegurado o direito à prova que havia sido subtraído. 14- recurso especial conhecido e provido, para reconhecer e dissolver a união estável havida entre a recorrente e o recorrido, no período compreendido entre agosto de 2004 e 04/09/2007, pelo regime da comunhão parcial de bens, relegando a apuração dos bens a partilhar à fase de liquidação, redimensionando-se a sucumbência.

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