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(DOC. VP 188.6263.0925.7632)

TST. AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ADOÇÃO DA RESOLUÇÃO 492/2023 DO CNJ. AMBIENTE DE TRABALHO DISCRIMINATÓRIO. XINGAMENTOS. HUMILHAÇÕES. VEDAÇÃO À REPRODUÇÃO DO MACHISMO E OUTRAS OPRESSÕES. CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEFINIÇÃO DE HUMOR. ASSÉDIO MORAL INTERPESSOAL E ORGANIZACIONAL. CONDUTA OMISSIVA PATRONAL. REPROVABILIDADE E REITERAÇÃO DA CONDUTADA. PROCESSO ESTRUTURAL PRIVADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA. PROVIMENTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA DEMONSTRADA. Constatado o equívoco na decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento, dá-se provimento ao agravo. Agravo conhecido e provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ADOÇÃO DA RESOLUÇÃO 492/2023 DO CNJ. AMBIENTE DE TRABALHO DISCRIMINATÓRIO. XINGAMENTOS. HUMILHAÇÕES. VEDAÇÃO À REPRODUÇÃO DO MACHISMO E OUTRAS OPRESSÕES. CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEFINIÇÃO DE HUMOR. ASSÉDIO MORAL INTERPESSOAL E ORGANIZACIONAL. CONDUTA OMISSIVA PATRONAL. REPROVABILIDADE E REITERAÇÃO DA CONDUTADA. PROCESSO ESTRUTURAL PRIVADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA. PROVIMENTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA DEMONSTRADA. Evidenciada a possível violação da CF/88, art. 5º, X, dá-se provimento ao agravo de instrumento para prosseguir no exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. ADOÇÃO DA RESOLUÇÃO 492/2023 DO CNJ. AMBIENTE DE TRABALHO DISCRIMINATÓRIO. XINGAMENTOS. HUMILHAÇÕES. VEDAÇÃO À REPRODUÇÃO DO MACHISMO E OUTRAS OPRESSÕES. CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEFINIÇÃO DE HUMOR. ASSÉDIO MORAL INTERPESSOAL E ORGANIZACIONAL. CONDUTA OMISSIVA PATRONAL. REPROVABILIDADE E REITERAÇÃO DA CONDUTADA. PROCESSO ESTRUTURAL PRIVADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVIDA. PROVIMENTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA DEMONSTRADA. 1. Cinge-se a controvérsia em identificar se é devida ao reclamante indenização por dano moral, diante do tratamento discriminatório recebido na empresa reclamada durante o contrato de trabalho. O registro fático delineado no acórdão regional evidencia, entre outros, que o trabalhador era alvo de constantes xingamentos, associados a aspectos psíquico-sociais. Ainda, há elementos destacados no sentido de que alguns grupos de trabalhadores eram especialmente alvo do que a Corte de origem entendeu como «brincadeiras masculinas". Tendo isso em vista, o presente processo deve ser analisado a partir das balizas oferecidas pela Resolução 492/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esta resolução tornou obrigatória a adoção pela magistratura brasileira do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Portaria CNJ 27/2021), que não deve ser aplicada apenas às situações em que são as mulheres as destinatárias da norma. O protocolo tem como um de seus objetivos oferecer à magistratura balizas para o julgamento de casos que envolvem desigualdades estruturais. Nesse sentido, as orientações do protocolo oferecem importante vetor de análise acerca da interpretação de «piadas» e «brincadeiras masculinas», eis que estabelece, entre outros, que «não é porque se trata de uma «piada» que o ódio que advém de desigualdades estruturais não esteja presente.». 2. No mundo do trabalho, denomina-se assédio moral laboral «a tortura psicológica perpetrada por um conjunto de ações ou omissões abusivas, intencionais, praticadas por meio de palavras, gestos e atitudes, de forma reiterada e prolongada, que atingem a dignidade, a integridade física e mental, além de outros direitos fundamentais do trabalhador, comprometendo o exercício do labor e, até mesmo, a convivência social e familiar» (PAMPLONA FILHO & SANTOS, 2020). A partir da Convenção 190, da Organização Internacional do Trabalho, tornou-se desnecessária a existência de conduta reiterada e prolongada a que alude a doutrina para a caracterização do assédio (e violência) no mundo do trabalho. Com efeito, o instrumento internacional passou a qualificar o assédio a partir de seus efeitos - e não de sua reiteração. 3. A Resolução 351/2020 do CNJ, com as recentíssimas alterações promovidas pela Resolução 518, de 31.8.2023, conceitua o assédio moral como a «violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, independentemente de intencionalidade, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho". 4. A partir da Convenção 190 da OIT (2019) c/c Resolução 351/2020 e 518/2023 do CNJ, em síntese, o assédio ou a violência moral no mundo do trabalho estarão caracterizados quando verificados, especialmente, (i) a abusividade da conduta omissiva ou comissiva patronal, materializada na exacerbação do poder diretivo patronal; (ii) os efeitos sobre a esfera psíquico-social do (a) trabalhador (a); (iii) desnecessidade de reiteração e/ou habitualidade da conduta; (iv) prescindibilidade de intencionalidade da conduta abusiva. 5. No caso concreto, o Tribunal Regional de origem, no caso, concluiu não configurada a conduta culposa da reclamada, por considerar que « não havia perseguição direta contra um empregado específico, muito ao contrário, o depoimento demonstra que a cobrança de metas era uma exigência geral e homogênea», e, ainda, que o uso de «palavras de baixo calão são comuns nesses ambientes», não tendo sido comprovado que o autor possuía « sensibilidade exarcebada «, uma vez que o ambiente era de « brincadeiras recíprocas entre próprios vendedores «. 6. Nada obstante, do quanto se extrai do acórdão regional, durante os sete anos quem vigeu o contrato de trabalho, o autor foi chamado, dos seguintes nomes: (i) «Negão"; (ii) «Cara de Mostro"; (iii) «Ronaldo de outro Mundo"; (iv) «morto"; (v) «desmotivado"; (vi) «desmaiado"; (vii) «vendedor âncora"; (viii) «patinho de feio"; (ix) «menino de outro mundo"; (x) «quanto cobravam para assustar uma casa « ; (xi) «perrem". 7. Ainda, registrou a Corte regional elementos fáticos por meio dos quais se identifica a exacerbação do poder diretivo empresarial, mediante a cobrança de metas por partes dos Supervisores e Gerentes da reclamada, superiores do reclamante. Solta aos olhos que, mesmo diante desse quadro fático, o acórdão regional recorrido tenha concluído se tratar de um ambiente de trabalho de « brincadeiras recíprocas» e «tipicamente masculinas» . 8. Com efeito, a situação retratada no acórdão recorrido demonstra uma conduta patronal reiterada e omissiva, mascarada pelo véu injustificável do animus jocandi, por meio do qual são reproduzidas condutas abusivas que degradaram profundamente o ambiente de trabalho do reclamante. Trata-se, ainda, de política sistemática empresarial, que objetiva engajar os trabalhadores no cumprimento de metas, a despeito de seu sofrimento psíquico-social. 9. Consoante disposto na Resolução CNJ 492/2022, aquilo que é considerado como «humor» e, assim, «brincadeiras masculinas», é reflexo de uma construção social, que revela a concepção ou a pré-concepção de determinado grupo sobre a realidade vivenciada por outros. Os ideais estereotipados em torno do que seria tipificado como «masculino» no âmbito das organizações possui efeitos deletérios para os sujeitos que não se enquadram em um padrão pré-concebido de masculinidade. Esse padrão, a seu turno, é socialmente construído e impõe às pessoas o desempenho de papeis de gênero que contempla apenas o homem branco, hétero, cis normativo, rico, que tem o tom de voz imponente, é o provedor da família, faz piadas de todo o tipo, o tempo todo. Especificamente quanto aos homens negros, espera-se deles quase exclusivamente que, se bem sucedidos, assim o sejam no esporte. As pessoas que não se submetem a essas construções sociais são frequentemente violentadas física, verbal, patrimonialmente. Isso porque, como relação de poder que é e da qual derivam o machismo, o patriarcado, o racismo e sexismo, essa construção social de masculinidade busca a hegemonia, desqualificando e subjugando as demais identidades de gênero. 10. Diante desse cenário, não há espaço para o que o Judiciário trabalhista chancele uma visão estruturalmente violenta e excludente, como a observada na hipótese, na medida em que os empregados eram apelidados por suas características físicas, sendo-lhes atribuídos nomes pejorativos, além de serem publicamente expostos quando observada o baixo desempenho no cumprimento das metas exigidas. É preciso romper com a naturalização de toda e qualquer violência no ambiente de trabalho, sendo inadmissível se utilizar o suposto tom humorístico como justificativa para depreciação de trabalhadores e trabalhadoras, mediante a violação de sua integridade física e psíquica. 11. O caso, portanto, retrata efetivo assédio moral interpessoal e organizacional, de caráter estrutural e excludente, em que a cobrança de metas não era realizada por meio de motivação positiva, cooperação mútua, ou até mesmo mediante estímulo saudável de competitividade entre as equipes, mas da criação de uma cultura generalizada de xingamentos, gritaria e palavras de baixo calão. 12. A coibição da prática de assédio moral no ambiente de trabalho deve ser analisada não só à luz do CLT, art. 8º, mas inclusive da Convenção 190 da OIT, com vistas à criação de uma cultura de trabalho baseada no respeito mútuo e na dignidade da pessoa humana . Ainda, deve-se considerar a vedação de que superiores hierárquicos pratiquem atos de cunho assedioso, em quaisquer de seus âmbitos, bem como o dever empresarial de adotar medidas que evitem comportamentos antiéticos, relativos ao assédio moral, conforme estabelecem, entre outros, o art. 10, III, IV, e V, Decreto 9.571/2018 (Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos). A toda evidência, em face da relação contratual laboral firmada entre reclamante e reclamada, era dever desta propiciar um ambiente seguro, primando por sua higidez mental, física e emocional. Ademais, por força dos arts. 2º da CLT, 5º, V e X, e 7º, XXVIII, da CF, a empresa deve zelar pela vida privada, intimidade, afirmação social, assim como pela honra e autoestima dos trabalhadores e trabalhadoras sob sua responsabilidade contratual. 13. Não fosse isso, a jurisprudência desta Corte, desde 2009, revela que a reclamada notoriamente figura como ré de demandas trabalhistas envolvendo a prática reiterada de assédio moral ao longo dos anos, em suas diversas filiais, quer mediante a criação de uma cultura de xingamentos, gritos, cobrança excessiva de metas, gritos motivacionais, danças «na garrafa», «corredor polonês», «dança do passarinho», imposição ao que o empregado ingerisse bebida alcóolica às 07h00, exposição de resultados, e os mais diversos tipos de apelidos e tratamento humilhante, o que denota que a empresa tratou apenas de mudar as táticas, sem a necessária e esperada alteração de conduta. 14. Com efeito, a gravidade da conduta patronal que é reiterada, consoante se observa da jurisprudência desta Corte, demanda posicionamento enérgico do Judiciário, a fim de evitar a perpetuação do assédio moral interpessoal e organizacional empresarial. Por se tratar de comportamento estrutural da empresa, o caso demanda, igualmente, decisão de cunho estrutural, conforme também já ratificado pelo próprio Supremo Tribunal Federal na tese Vinculante firmada no RE 684.612, Min. Roberto Barroso - Tema: 698. 15. Sinale-se que as decisões estruturais não se limitam aos litígios que envolvem o Poder Público, a despeito de sua gênese estar relacionada às tomadas de decisões que envolvem políticas públicas para preservação de direitos fundamentais. Assim, no caso concreto a fixação de condenação indenizatória voltada ao trabalhador deve considerar tanto o abalo sofrido, como servir de medida estrutural para coibir novas condutas abusivas organizacionais. 16. Diante desse contexto, quanto ao valor arbitrado à indenização, cabe considerar as particularidades retratadas, desde a gravidade e a contumácia da conduta da empregadora, as humilhações contínuas e sistemáticas praticadas pelos superiores e demais colegas de trabalho, a repercussão na esfera extrapatrimonial do autor, considerando não só os diversos apelidos pejorativos, os questionamentos acerca de sua competência profissional, e principalmente, o caráter humilhante dos nomes utilizados. Nesse contexto, atende ao disposto nos CF/88, art. 5º, V, o valor originalmente arbitrado pela MM. Vara do Trabalho de origem, no montante de R$ 50.000,00 (Cinquenta mil reais), a título de reparação pelo dano moral sofrido pelo reclamante. Recurso de revista conhecido e provido.

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